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1º De Maio 2012. Disto e Daquilo

Minha Vida como um Cogumelo III parte

DE AS CRÓNICAS-ANA-CRÓNICAS

(Enquanto lêem esta crónica podem ouvir a música  “Santa Chuva” de
Maria Rita que acompanha a presentação)

Como faltavam as fotografias do cão descarnado e ralhado e a da garrafa de Sagres na areia pensei que seria uma boa ideia chatear-lhes um bocadinho mais com o me relato nu da nada da vida dum cogumelo humano sem esse senso tão (pouco) comum, o do ridículo. Pois sim, perdi a vergonha vergonhosa numa manhã ensolarada qualquer, e é por isso que lhes importuno.

Hoje temos céu sombrio, chuvascos imoderados, nebulosidade e precipitações seguidos de céu limpo com algumas nuvens e aguaceiros.

Nas dunas também chegou Maio florido, e depois do barulho da Feira de Abril ,o murmúrio do mar, o estalo das conchas e a nada de coisa nenhuma é um consolo que agradeço como uma salvação repentina.

Os trabalhadores algarvios empregados, sem emprego e os que estão ao ponto de perdê-lo devem estar deambulando nas serras entre fogareiros com a carne torradinha e algo húmida da chuva.

Chove em primavera no dia do trabalhador vencido, enganado, submisso, rabejado, mas ainda com carne do Pingo Doce a metade de preço para passar um dia com a família, ainda, ainda, até quando, vigaristas?. Estamos entretidos com o fogareiro, o Sporting e o Benfica, sim, até quando aldrabões?. Será para sempre… como sempre foi?.

Acrescento umas imagens do meu dia do trabalhador desolado, nesta velha paisagem erma da que estou apaixonada sem esperança.

Ia chatear-lhes com flores e cheiros mas não pude evitar chatear-lhes deste outro jeito. Ia maçar-lhes com a história duma borboleta com um asa rota, com o meu pardalinho rosa que habita um mundo rosa, com as garrafas que dormiam hoje a bebedeira na costa, com a cor das tormentas, com a aldeia fantasma, com as margaridas brancas, com isto e com aquilo.

Estimado leitor (se houver, acho que pelo menos… um ou nenhum) desculpe a culpa, o próximo arrebate pode ser pior ainda!

CRÓNICAS-ANA-CRÓNICAS

Minha Vida como um Cogumelo II parte

Hoje vi as flores violáceas da lavanda; as mais claras e resolutas do cebolinho; as da sálvia que há tão pouco plantei. Rebentando no alegrete: açucenas brancas

Hoje ontem e anteontem vi: tagarelar uns passarinhos bêbados; hibiscos amarelos; o tomilho que ´tava teso; coentro fresco, volúveis vermelhas em sangue acesas

Hoje vi o cão descarnado que se ralha; a garrafa de Sagres adormecida na areia; um gafanhoto monótono que espreita; formigas e formigas a toda a pressa

Hoje novamente como sempre por este escaninho omitido o tempo não passou, ou se passou…que pouco importou!

P.S

A cegonha passeia pela areia a comer o pão que todas as manhãs joga fora a velha. Cheira a peixe, a fogareiro, a maré, ao gasóleo do tractor, a sapal, a lama, a letargo. O helicóptero invasor espreita fita vigia ronda de manhã à noite ainda não sei o quê. Quando o vento é de terra às vezes cheira a merda

Deste modo chegou a primavera para uma tola solene que estava à espera.


REDACÇÃO DA SEMANA: “O MEU DIA A DIA…COMO UM COGUMELO” ”

CRÓNICAS-ANA-CRÓNICAS

…Uma mais do que Duvidosa Versão do Filme “Feitiço do Tempo” (O Dia da Marmota)
Não Perca as Surprendentes Revelações duma Cavala!

Ontem, a lua cheia encheu o quintal duma luz recoberta de efeito Purkinje num céu despejado com estrelas que lutavam sem sucesso por ter o seu lugar num firmamento limpo, claro, quase diurno, no silêncio assustador de todas as noites.

Hoje, a velhota do cabelo de prata fina, que gorjeia-chilreia de aqui ali com essa voz de queixa doce, esvoaça baixo e sai da loja de quatro coisinhas, alguns fios e uns poucos baldes, o nome da mercearia é parisino e os preços também.

A vizinha das árvores ameaçadoras aproveita para palrar, no seu passeio das manhãs entre as folhas moribundas do seu eirado, e fala disto e daquilo sem alçar a voz, num tono solene quase oficial, as novidades do dia comunicadas com frialdade burocrática.

Saudações, a inquietação do vento, uma carrinha que passa.

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Gaivotas gigantes esganiçam-se no longínquo, a seguir, apertam-se e esganiçam-se no próximo. Alguma deixa uma podre lembrança branca e verde no cimento irregular deste omnipresente-assíduo-persistente quintal, e afastam-se em agudas conversas porque elas não calam até a noite, são parte da cessação. Como são os risos de pássaro da Ángela, -bom dia, minha senhora, -boa tarde, moça.

A sogra do Anzol é um anjo velhoto em andarilho desde onde varre a rua, estende a roupa ou, de repente, enleva-se com a brisa do Poente frio das tardes soturnas de inverno, e voa e ri como um pardal e os seus cabelos são dum branco transparente e os risos da sua boca desdentada iluminam o acaso onde treme um sol que entre tanto mar parece anão, e desaparecem no horizonte ambos dois.

Amanhã, o retrato exacto de ontem, de hoje e de anteontem passará pela janela da cozinha enquanto limpo a mesma louça de todos os dias idênticos, numa ordem quase pavorosa.

321 Palavras

Da Selecta Colecção de “As Mais Atrozes Crónicas do S.XXII”

Edições Esquecíveis. Ínsula Baratária  S.A, 2.012