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E Como Ontem Foi o Dia Mundial da Poesia…

…Hoje é um dia da poesia normal, íntimo, pessoal, sem razão aparente nem fastos, e como seguem a passar as horas pois… com todos vocês… um deus da poesia, um grandioso além de sublime deus de muitas cabeças, o Dom Sebastião da palavra em verso…por sempre Pessoa-ele-mesmo, Campos, Caeiro, Soares, Reis, e muitos outros, obrigada por a minha passagem de tantas horas com todos vocês.

No Não-Aniversário do Nascimento e Morte de Mário- Henrique Leiria

Hoje, que se cumprem (…nasceu em 1923 e morreu a 9 de Janeiro de 1980)…pois…não sei quantos anos, do nascimento e  do falecimento do  surrealista heterodoxo, heterogéneo além de herético, escritor Mário-Henrique Leiria, nesta data tão pouco relevante, lembro-me dele e dos seus Contos do Gin-tonic. Tenho a 6ªedição de Estampa cuja capa, pronto, é um gin-tónico, tá bem, mas o pouco esmero na maquetação e na tipografia,  a escassa qualidade da impressão não deixaram de surpreender-me, porém, gostei imenso dos contos deste escritor de quem só tinha ouvido falar e que não tinha lido, e sim, foi um golo de gin-tónico perfeito.

Aqui podem ver o grande Mário Viegas a recitar um dos poemas dele.

A seguir, os deixo cá a “Cegarrega para Crianças”  incluida nos Contos do Gin- Tonic, e com certeza, se o síndrome de abstinecia ou alguma doença de coração permitem-lhes, bebam-se um gin-tónico (que seja bom o gin e o tónico!), com limão ou lima e muito gelo, enquanto lêem o livro.

CEGARREGA PARA CRIANÇAS

A veja dormindo
o rato roendo
a Velha zumbindo
o rato correndo
a Velha rosnando
o rato rapando
a Velha acordando
o rato calando
a Velha em sentido
o rato escondido
a Velha marchando
o rato mirando
a Velha dizendo
o rato escutando
a Velha ordenando
o rato fazendo
a Velha correndo
o rato fugindo
a Velha caindo
o rato parando
a Velha olhando
o rato esperando
a Velha tremendo
o rato avançando
a Velha gritando
o rato comendo
 
Assinado: A Cavala Assassina

Visão de Clarice Lispector


Clarice,
veio de um mistério, partiu para outro.

Ficamos sem saber a essência do- mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.

Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser, e retratar o homem.

O que Clarice disse, o que Clarice
viveu por nós em forma de história
em forma de sonho de história
em forma de sonho de sonho de história
(no meio havia uma barata
ou um anjo?)
não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são jóias particulares de Clarice
que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.

Clarice não foi um lugar-comum,
carteira de identidade, retrato.
De Chirico a pintou? Pois sim.

O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.

De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.
Dentro dela
o que havia de salões, escadarias,
tetos fosforescentes, longas estepes,
zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,
formava um país, o país onde Clarice
vivia, só e ardente, construindo fábulas.

Não podíamos reter Clarice em nosso chão
salpicado de compromissos. Os papéis,
os cumprimentos falavam em agora,
edições, possíveis coquetéis
à beira do abismo.
Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.

Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia… saberemos amar Clarice.

Carlos Drummond de Andrade