CRÓNICAS-ANA-CRÓNICAS
…Uma mais do que Duvidosa Versão do Filme “Feitiço do Tempo” (O Dia da Marmota)
…Não Perca as Surprendentes Revelações duma Cavala!
Ontem, a lua cheia encheu o quintal duma luz recoberta de efeito Purkinje num céu despejado com estrelas que lutavam sem sucesso por ter o seu lugar num firmamento limpo, claro, quase diurno, no silêncio assustador de todas as noites.
Hoje, a velhota do cabelo de prata fina, que gorjeia-chilreia de aqui ali com essa voz de queixa doce, esvoaça baixo e sai da loja de quatro coisinhas, alguns fios e uns poucos baldes, o nome da mercearia é parisino e os preços também.
A vizinha das árvores ameaçadoras aproveita para palrar, no seu passeio das manhãs entre as folhas moribundas do seu eirado, e fala disto e daquilo sem alçar a voz, num tono solene quase oficial, as novidades do dia comunicadas com frialdade burocrática.
Saudações, a inquietação do vento, uma carrinha que passa.
Gaivotas gigantes esganiçam-se no longínquo, a seguir, apertam-se e esganiçam-se no próximo. Alguma deixa uma podre lembrança branca e verde no cimento irregular deste omnipresente-assíduo-persistente quintal, e afastam-se em agudas conversas porque elas não calam até a noite, são parte da cessação. Como são os risos de pássaro da Ángela, -bom dia, minha senhora, -boa tarde, moça.
A sogra do Anzol é um anjo velhoto em andarilho desde onde varre a rua, estende a roupa ou, de repente, enleva-se com a brisa do Poente frio das tardes soturnas de inverno, e voa e ri como um pardal e os seus cabelos são dum branco transparente e os risos da sua boca desdentada iluminam o acaso onde treme um sol que entre tanto mar parece anão, e desaparecem no horizonte ambos dois.
Amanhã, o retrato exacto de ontem, de hoje e de anteontem passará pela janela da cozinha enquanto limpo a mesma louça de todos os dias idênticos, numa ordem quase pavorosa.
321 Palavras
Da Selecta Colecção de “As Mais Atrozes Crónicas do S.XXII”
Edições Esquecíveis. Ínsula Baratária S.A, 2.012